A revisão criminal baseada na retratação da vítima, realizada mediante prévio procedimento de justificação, mostra-se hábil para desconstituir sentença condenatória transitada em julgado, fundada de forma prevalente em declarações da vítima e em depoimentos de testemunhas. Na hipótese, padrasto preso e condenado por estupro de vulnerável (art. 217-A, c/c art. 226, II, do Código Penal), supostamente praticado contra a menor enteada em reiteração delitiva no contexto da Lei Maria da Penha, propôs revisão criminal pleiteando a anulação do édito condenatório transitado em julgado, visando à restituição de seu estado de inocência. Para tanto, o autor apresentou escritura pública de retratação formalizada pela vítima, documento que dera ensejo ao procedimento de justificação criminal, no qual a ex-enteada nega a ocorrência dos abusos sexuais reportados e inverte a versão apresentada no processo penal. Em parecer, o Ministério Público manifestou-se pela improcedência da pretensão, uma vez que a condenação teria sido respaldada em depoimentos sólidos, aduzindo que a nova versão apresentada na justificação judicial ocorrera em face da reconciliação havida entre o requerente e a mãe da vítima. Inicialmente, os Desembargadores ressaltaram que a revisão criminal somente é admissível quando existentes as hipóteses previstas no art. 621 da Lei Processual Penal. In casu, verificaram os Julgadores que a pretensão se ampara na existência de prova nova, devidamente constituída em primeiro grau de jurisdição, no âmbito da mencionada justificação criminal. Nesse contexto, os Magistrados vislumbraram que as provas apresentadas lançaram significativas dúvidas sobre a efetiva ocorrência dos nefastos crimes descritos na denúncia. A corroborar essa linha intelectiva, destacaram as justificativas reveladas pela ex-enteada para as falsas acusações, as quais demonstram, na verdade, o oculto intento de interromper a continuidade do relacionamento entre o padrasto e a mãe – desejo motivado pelo fato de que o acusado, à época, ainda se encontrava com a ex-esposa. Com efeito, a Câmara reconheceu que as provas emergidas em sede de justificação criminal se revelaram suficientes para abalar a certeza do conjunto probatório, ao impor forte insegurança sobre a materialidade e a autoria delitivas, isso porque a retratação se dera de forma absolutamente voluntária e espontânea. Assim, o Colegiado, ao verificar a desconstituição das declarações que lastrearam a sentença penal, julgou procedente a revisão criminal para absolver o padrasto das infrações apuradas na ação penal, com fulcro no art. 386, II e VII, do Código de Processo Penal.
Acórdão 1639436, 07105446820228070000, Relator: Des. JOSAPHA FRANCISCO DOS SANTOS, Câmara Criminal, data de julgamento: 21/11/2022, publicado no DJe: 24/11/2022.
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